Espanha: Uma nova lei polêmica do governo Rajoy

Aliya Aïssou, traduzido por Lilian Villanova
24 Mars 2015



Uma nova lei divide a Espanha. Após muitas outras, essa “lei de segurança cidadã” visa criminalizar as manifestações civis dentro de um regime cada vez mais contestado. Análise da “lei da mordaça”, que suscita numerosas mobilizações em todo o país.


Crédito da foto: Cristina Quicler – Belgaimage
Crédito da foto: Cristina Quicler – Belgaimage
Segundo muitos espanhóis, ela parece colocar em perigo a democracia espanhola, enfraquecida desde a investidura do governo Rajoy, há três anos. Em primeiro de janeiro desse ano, o texto ativamente contestado pela população foi adotado pelo Parlamento espanhol. Oficialmente denominada “lei de segurança cidadã”, ela age contra as diferentes formas de protestos civis. Julgada repressiva por um bom número de espanhóis, assim como pelo Judiciário, essa lei foi apelidada com várias denominações negativas, dentre as quais a mais utilizada seria “lei da mordaça”, ou “lei mordaza”, em espanhol, que faz referência a seu aspecto considerado totalmente absurdo em um sistema democrático.

O que o texto prevê

A lei foi apresentada pelo Ministro do Interior espanhol, Jorge Fernandez Diaz, membro do governo de Mariano Rajoy, que exibe as cores do Partido Popular – direita conservadora e liberal, à frente do governo espanhol há quatro anos. Na teoria, a lei prevê uma série de sanções contra numerosas formas de protesto civil, por mais diversas que sejam. A lei interdita, por exemplo, sob pena de pagamento de uma multa que pode chegar a 30.000 euros, todo ultraje contra a bandeira e outros símbolos do país. Ela proíbe, ainda, as manifestações em torno de instituições públicas como o Senado, ou a Câmara de deputados. Vários especialistas analisam essa legislação como uma resposta aos movimentos separatistas e, mais precisamente, aos movimentos massivos que pedem a independência de uma das 17 comunidades autônomas do Reino da Espanha, a Catalunha.

A coerência dessa análise decorre da temporalidade da proposta da lei. De fato, o Ministro do Interior apresentou a lei em 29 de novembro de 2013, isto é, após vários meses de grandes mobilizações em favor da independência catalã. É forçoso constatar que os protestos dos cidadãos se amplificaram bastante nos últimos anos, no que diz respeito, por exemplo, à gestão da crise pelo governo.

A nova legislação estabelece 31 tipos de infrações “graves”, que acarretam o risco de pagamento de 30.000 euros de multa. Sete tipos de infrações, ditas “muito graves”, conduziriam ao risco de multa podendo alcançar 600.000 euros, a cargo dos autores da infração. Essas infrações visam, na prática, perturbações da ordem pública em eventos esportivos, ou manifestações durante a “jornada de reflexão”. Essa expressão “jornada de reflexão” corresponde a um lapso de tempo definido com antecedência, em época de eleição, de modo a permitir aos cidadãos refletirem sem nenhuma influência externa. Uma jornada de reflexão que justificaria a penalização de manifestações nesse momento. Assim, a nova lei espanhola põe em vigor novas multas que podem chegar a 600.000 euros, a serem aplicadas aos cidadãos que transgredirem a legislação.

Uma fervorosa recusa na Espanha contra uma lei sintomática de um regime

Entre os cidadãos espanhóis, as reações são muito fortes. Dentre os jovens espanhóis que o Jornal Internacional interrogou, uma forte indignação contra a lei pode ser percebida. Globalmente falando, nota-se uma insatisfação com o partido do governo. Muitos espanhóis constatam um caráter repressivo comum às leis adotadas pelo governo. Além da lei sobre a “segurança cidadã”, o governo de Mariano Rajoy multiplica, desde sua investidura, leis controversas, tanto dentro como fora do país. Lembremos que se trata do mesmo governo que propôs suprimir o direito ao aborto em 2014. O projeto foi, finalmente, abandonado. Magdalena, espanhola em torno de 30 anos, que considera a “lei da mordaça” como sintomática de um contexto antidemocrático, explica: “É pior do que o franquismo. Ao menos, durante o franquismo, nós sabíamos que vivíamos em uma ditadura”.

Essa comparação, certamente forte, não é isolada nas mentes dos cidadãos. Parece que, desde o início do atual governo, os descontentamentos dos cidadãos não cessam de crescer, em razão dos textos de leis antidemocráticas e extremamente repressivas. Citemos, por exemplo, a lei que retira direitos sociais a todo espanhol residente no exterior por mais de três meses. A constatação revela uma indignação geral contra o governo, e mais amplamente, contra a vida política do país.

No exterior, também, a lei sofreu inúmeras reações desfavoráveis. Do ponto de vista jurídico, Nils Muiznieks, comissário europeu de direitos, considera essa lei pouco aceitável em uma democracia. Ele declarou recentemente sobre o caso: “É de se perguntar se estas restrições são necessárias em uma sociedade democrática”. Essa lei parece aumentar ainda mais o desprestígio de quem é vítima – ou responsável, dependendo do ponto de vista – do Partido Popular, atualmente no poder. Fenômeno político incontornável, o Podemos, novo partido de esquerda, que surgiu há pouco mais de um ano na Espanha, pode colocar em risco o bipartidarismo espanhol que o PP (Partido Popular) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) protagonizam desde o fim do franquismo. As pesquisas de opinião já anunciam sua vitória nas próximas eleições municipais. Parece que essa lei foi decisiva no sucesso de Podemos, e principalmente, no aumento da indignação dos cidadãos diante de um governo cada vez mais conservador e repressivo. Sem pretender prever o futuro político da Espanha, essa nova lei de “segurança cidadã” parece violar consideravelmente os princípios democráticos de um país em plena transformação, após as consequências violentas da crise.

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